27/02/2009

Depois de o fogo passar

(Fotos de Rui André, Verão de 2003)
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26/02/2009

Obrigado

Ao Pedro Almeida Vieira, pelo link para este blogue do romance «Uma Noite com o Fogo» (e também para o «Floresta do Sul) no seu «Estrago da Nação» (o autor tem um novo livro, que pode ser conhecido aqui). Também ao Francisco, ao João e ao Pedro; sem esquecer a simpatia da minha editora, claro, no seu novo blogue.
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25/02/2009

Uma entrevista

Uma pequena entrevista que dei sobre o romance «Uma Noite com o Fogo» (programa «À Volta dos Livros», de Ana Aranha – Antena 1). Pode-se fazer o download ou ouvir aqui.
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24/02/2009

As chamas em fuga

De repente, como se fosse a minha imaginação a tentar enganar-me, a brincar comigo, vi as chamas a saírem de junto do ribeiro, muito depressa. Começaram a subir pela encosta, como se alguma coisa as tivesse enlouquecido. Aquele volume de chamas fugia (…)
Excerto de «Uma Noite com o Fogo», pág. 101
(Fotos de Rui André, Verão de 2003)
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23/02/2009

Um excerto

(…) um ministro até podia depois de aterrar no ribeiro, levantar-se, passar as mãos pelo corpo a ver se não tinha nada partido, e depois andava uns metros até à levada e ia pela parede sempre a par do ribeiro, no sentido em que as águas corriam, e em cinco ou dez minutos chegaria à aldeia da antiga casa da minha avó, onde a levada embocava na represa. E aí era só andar mais uns metros que no escuro da noite lá estaria o carro com o motorista para levá-lo para o remanso da capital, a dupla mansidão do seu gabinete onde tudo esqueceria, o tempo suspenso no ar com os outros iguais a ele em desqualificação e vadiagem, de costas voltadas para a linha de fogo, todos diluídos no escuro, esperando que disparasse uma máquina fotográfica mas de repente o que viam era uma pedra a partir da minha mão, ou nem viam, porque para eles eu também era escuro, também estava misturado com o escuro da noite, e a pedra a mesma coisa; apenas ele, o ministro, sentia o embate, confuso por não ter visto disparar nenhum flash e a pensar que ia ter uma foto para a capa de uma revista ou para a primeira página de um jornal, com sorte uma foto em que haveria chamas como pano de fundo. (…)
(«Uma Noite com o Fogo», pág. 61)
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O fogo

(Foto de Rui André, Verão de 2003)

A entrada

O texto de entrada do romance «Uma Noite com o Fogo», uma espécie de pré-capítulo que antecede os 26 capítulos da história.
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Há muito tempo que escrevia este livro. Alguns anos. Mas escrevia-o apenas na minha mente, com o que pensava, com tudo aquilo que ia recordando. Se tivesse conseguido reunir as palavras necessárias para contar a história, se as tivesse encontrado, escolhido, até se tivesse inventado algumas para na volta fazer boa figura, tudo haveria de ser, digamos assim, mais normal. Era uma vez… Eu, de noite, uma noite muito quente, abafada, próximo do que julgava insuportável, uma noite com o fogo. Como se vivesse sempre essa noite. Como se ela tivesse passado a existir de uma forma definitiva. Um filme a voltar inevitavelmente ao princípio. A ideia de haver um tipo de cinema circular, ou aos círculos, marcado por um momento um bocadinho forçado, mas apenas um momento, fugaz, aquele em que de repente se passava do fim para o princípio e tudo voltava a acontecer. Tudo, desde o princípio. Eu ainda em casa, depois de ligar a televisão. Teriam passado dez ou quinze segundos sobre o aparecimento das imagens no ecrã. Não mais do que isso. Era de noite na televisão, como era de noite naquele sítio, o da casa. A minha casa. Estavam em directo com as notícias. Tudo ardia, dava até a ideia de que a câmara filmava bem dentro das chamas; mas não, nem ela nem quem a segurava corriam qualquer risco. Era a objectiva que fazia o milagre, como se naquele momento não houvesse mais nada no mundo em que gastar milagres. Eu ouvia o barulho do telefone, insistente, mas não ia atender. Estava preso ao ecrã, mais do que pelas chamas, por causa da palavra que aparecia num dos cantos. O nome do lugar da minha infância. E o barulho do telefone, sem parar. Quando finalmente atendi, surgiu a voz da minha mãe. Perguntava se já sabia. Apenas isso. E eu já sabia, tinha acabado de saber. Tinha acabado de ver. O fogo. O lugar da minha infância, naquela noite, invadido pelo fogo.
É este o livro que tantas vezes escrevi dentro da cabeça. O livro aqui já com as palavras, as que antes não consegui reunir, as que durante alguns anos não encontrei, as que não fui capaz de escolher. Até as palavras que sempre me pareceram impossíveis de inventar. Ainda nem passaram duas horas sobre as imagens vistas na televisão e sobre o que escutei da minha mãe, pelo telefone. Uma boa parte do Alentejo já ficou para trás, sempre com o carro apressado nas estradas distribuídas quase ao calhas pela planície. Sempre à procura do trajecto mais a direito, uma estrada nacional, uma estrada municipal, por vezes uma que nem isso – e a auto-estrada, essa sempre a direito, longe, lá do outro lado, nada em caminho. Tenho bem à minha frente os montes que se seguem à planície, uma fronteira. Tão tarde na noite o normal seria nem conseguir vê-los. Mas vejo, vejo-os sem dificuldade, os seus contornos bem definidos. A história pode agora começar.
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Os montes

O cenário do romance «Uma Noite com o Fogo». Foto minha, feita já depois dos acontecimentos.
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O que aconteceu

Em 2003 e 2004, no Verão, grande parte da floresta da minha terra foi destruída pelo fogo. Tanto num ano como no outro as chamas andaram à solta pela serra de Monchique, e até bem para lá dos seus limites. Lembro-me de que na altura alguém me disse que eu poderia escrever sobre esses tempos terríveis. Logo pareceu-me que não, que era tudo ainda muito recente. Mas ao mesmo tempo senti que mais tarde talvez acabasse por fazê-lo. Foi já em 2008 que comecei a escrever, primeiro sem saber bem por que caminhos seguir, depois eu próprio a espantar-me com uma descoberta que fazia, a de que o romance estava a ser escrito dentro da minha cabeça desde uma noite terrível do Verão de 2004.
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