06/05/2009

Uma crítica

Uma crítica publicada pela revista «Os Meus Livros» (ed. Maio 09), assinada por Ana Morgado.
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Memórias em chamas
É de proximidade que se trata. A proximidade à terra da sua infância, a proximidade das chamas nos montes, a proximidade do escuro, das sombras e dos sons indecifráveis. Não sabemos em que ponto do mapa lavra este incêndio, mas estamos lá a torcer por este homem de quem nem o nome sabemos.
São páginas preenchidas com as horas que ele dedica a combater e compreender o fogo que lavra pela serra tão perto do povoado, da azenha da sua avó, da adega onde morreu o avô. São os medronheiros e os sobreiros, os eucaliptos e os amieiros das suas memórias que ele não quer perder nas cinzas.
Natural de Monchique, tantas vezes fustigada pelos incêndios, António Manuel Venda faz um exercício catártico por meio de um herói incansável que, sozinho boa parte do tempo, sem outras personagens que não o fogo e o verde imenso que consome, vagueia cima abaixo sem se render. É um belíssimo monólogo interior que vive de episódios singelos, como o do escalavardo queimado, que ele confunde com um Rasputine de longas barbas, ou o da águia que se debate no ar com as chamas nas asas.
No fim, a rendição; a entrega das armas – enxadas, picaretas e baldes que se recolhem à caixa aberta da carrinha, impotentes contra aquele lume que alastra indomável. E, no entanto, a mim ficou-me a sensação de missão cumprida.
Estrelas Quatro e meia em cinco.
Prós A escrita cuidada; a minúcia das descrições.
Contras Nada assinalável.
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