03/03/2009

Como um leitor viu o romance «Uma Noite com o Fogo»

Texto recebido por e-mail, de um leitor de «Uma Noite com o Fogo», visita frequente (e comentador) do meu blogue «Floresta do Sul».
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Até Quinta-feira passada, de todos os livros do autor, apenas tinha conseguido encontrar à venda os romances «O que Entra nos Livros» e «O Medo Longe de Ti». Por determinadas circunstâncias, acabei por ler esses livros por ordem inversa ao que seria desejável (primeiro «O que Entra nos Livros» e depois o outro). Gostei de ambos, muito especialmente de «O que Entra nos Livros».
Logo que li as primeiras páginas de «Uma Noite com o Fogo», apercebi-me de que estava perante uma obra extremamente bem conseguida, a vários títulos.
Cabe aqui referir que a minha apreciação é a de um simples leitor, que embora tenha lido muito desde muito novo não tem qualquer qualificação para ser crítico no sentido específico do termo.
Lembro-me muitíssimo bem das reportagens feitas na televisão, relativamente à tragédia de que trata o romance, até porque isso se passou pouco tempo depois da morte da minha mãe, que funciona como referência temporal. Para além da violência do fogo, retenho o drama de pessoas forçadas a abandonar as suas casas – algumas com muita idade – e de outras a lutarem até ao último momento para as defender.
Achei que o tema foi bem ‘agarrado’ logo desde o prólogo, com a ideia do «cinema circular» e onde verdadeiramente a história começa.
A autenticidade é evidente e não poderia ser maior. A escrita é austera, despida de adjectivações; numa palavra: escorreita. Não obstante, consegue ser comovente quando evoca as lembranças da infância, especialmente aquela subida dramática de um monte com a avó que se arrastava com dores.
A alternância entre o ‘filme’, no presente, e as lembranças de um passado já distante, acabam por se completar harmoniosamente, ao mesmo tempo que conferem profundidade à obra.
O livro, todo ele escrito na primeira pessoa, não faz uso – se bem me recordo – de qualquer diálogo, o que lhe imprime um ritmo por vezes alucinante, nos momentos de grande expectativa (suspense), especialmente naquela fase em que o narrador perde, durante algum tempo, o contacto visual com o irmão, numa situação que poderia pressagiar o pior.
O fogo está muito bem descrito nas suas diversas fases, consoante a orografia e o ‘material’ que vai encontrando pela frente, sendo de realçar a grande economia de meios (palavras) com que essa descrição é feita.
Para além do mais, o tema é indiscutivelmente de grande actualidade e interesse social; e a meu ver é pouco abordado na nossa literatura.
Não falta lá, sequer, o libelo acusatório contra os políticos e outros (ir)responsáveis/ incompetentes, que para além de nada fazerem ainda aproveitam a circunstância para engrossarem a campanha eleitoral em que estão permanente mergulhados – é essa a sua principal, para não dizer única, preocupação. E é justamente aqui que eu me atrevo a fazer o único reparo ao livro. Sem ter qualquer dúvida quanto à justeza da acusação, parece-me todavia que deveria ser um pouco mais económica no espaço que lhe é dedicado e muito mais dura no que concerne aos termos usados.
Para eles, só curto e grosso (é o meu estado de espírito, claro).
Se eu fosse produtor cinematográfico, investiria numa adaptação deste livro ao cinema, jogando na alternância entre as cenas ‘actuais’ e as evocações da infância.
Manuel Ramalhete
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