27/08/2009

A história do cágado, de Almada Negreiros

(…) Eu não sabia por que é que pensava na história do cágado e do homem muito senhor da sua vontade, a única de que tinha gostado verdadeiramente no livro de contos e novelas do autor de «A Invenção do Dia Claro». Não sabia, mas pensava. O homem a desistir da procura, a tapar o buraco, a remover a terra da imensa montanha que involuntariamente tinha levantado, até que da terra da primeira pazada, a da primeira vez em que tinha cravado a pá no chão, dessa terra aparecia o cágado. No meio da confusão que reinava no centro de comando das operações de combate ao fogo, eu pensava na história do homem muito senhor da sua vontade que de repente se punha à procura de um cágado e por causa disso ia até ao outro lado do mundo. Seguia o meu irmão, já de volta à carrinha, de certeza porque também ele achava que nada havia a fazer naquele lugar. Eu estava ali mas ao mesmo tempo não estava. Pensava nas peripécias do conto escrito pelo autor de «A Invenção do Dia Claro», quase que o lia, numa recordação de várias leituras que tinha feito dele. (…)
.
Excerto de «Uma Noite com o Fogo», pág. 138
.
(Imagem: José Sobral de Almada Negreiros, 1893-1970, auto-retrato)
.

Sem comentários:

Enviar um comentário